História - O melhor do bairro de Boa Viagem, Recife, PE

 

Boa Viagem 1960

Bairro de Boa Viagem faz parte da história do Recife - Desde 06 de junho de 1707 (296 anos)

Para viver o Recife, não basta uma caminhada de algumas horas, mas um verdadeiro conluio entre o visitante e a natureza a ser contemplada. Para viver o Recife, principalmente sentir a brisa dos alísios acariciando a face e trazendo em desalinho os cabelos, vamos em busca das praias, onde o mar é uma montanha e tudo se torna um eterno convite ao encantamento.

Saindo do centro, deixando para trás os bairros de Santo Antônio e São José, vamos em direção à Ponte Agamenon Magalhães, a mais extensa da cidade, com 424 metros de vão. Transpondo o braço meridional do Capibaribe, ingressarem em terras da outrora ilha do Nogueira, atingindo, assim, a faixa litorânea da Praia do Pina com o seu grande areal tomado por jangadas e banhistas.

Temos aqui o nosso encontro com as praias de areia branca, enfeitadas de coqueiros e da vegetação rasteira do nosso litoral. Praias onde repousam jangadas com suas velas ao vento depois de um dia de trabalho. Verdadeiras piscinas de águas mornas, protegidas por uma longa trincheira de arrecifes, onde as águas verdes do mar estão sempre a quebrar. Lá estão à nossa espera as praias do Pina e da Boa Viagem, paraíso terreal bem ao alcance dos nossos sentidos, como nos versos de Baltazar de Oliveira:

No pensamento: o branco areal do Pina, ilha, então, só de humildes moradores...

Redes ao sol... o mar canta em surdina... Velas pandas ao vento... pescadores...

São cerca de sete quilômetros de areia fina, piscinas de águas transparentes, coqueiros a balançar ao vento, jangadas destinadas à pesca e a passeios turísticos, jardins bem cuidados, belos prédios com singulares esculturas dos artistas da terra, quiosques oferecendo a saborosa água de coco verde, excelentes hotéis, num dos trechos mais bonitos do litoral brasileiro.

Boa Viagem - Jangada


Durante o ano inteiro, porém, essas praias são de todos nós, recifenses ou visitantes, os quais nelas encontram a paz no refrigério de suas águas. Gilberto Freyre encontrou em Boa Viagem o "vento fresco, recifes; um cheiro bom de sargaço fresco", e assim, no seu Guia prático, histórico e sentimental da Cidade do Recife, cantou as suas delícias:

Pelos recifes ou arrecifes de Boa Viagem é agradável passear o menino, o moço e até o velho, quando o mar está baixo; e os peixinhos, uns azuis, outros amarelos listrados de preto, se deixam ver em toda sua glória de cores, nadando nas poças esverdeadas que o sol aquece. O sol aquece, tempo de verão e de mar baixo, a água das várias bacias que em Boa Viagem são uma verdadeira sucessão de piscinas, entre os arrecifes e a praia.

Tem-se a idéia de que, dentro dessas piscinas, alguém prepara a água de banho: uma misteriosa mucama que gradua a temperatura do mar - o mar assim condicionado em piscinas - para regalo dos muitos ioiôs e das muitas iaiás da terra ou vindas do Sul e do estrangeiro que não encontram aqui o frio das águas européias ou mesmo das de Copacabana; e sim uma água ao mesmo tempo verde e morna. Um banho em Boa Viagem é um dos maiores regalos que o Recife oferece a adventícios, tanto quanto a nativos.

Uma das experiências mais recifenses que o adventício pode ter no Recife: um mar de água morna, um sol que em pouco tempo amorena o corpo do europeu ou do brasileiro do Sul; vento fresco; recifes; sargaço. Um cheiro bom de sargaço fresco recebe às vezes o turista.

Nas tardes, ou mesmo nas noite, o calçadão de Boa Viagem, é sempre um convite a uma salutar caminhada, com a brisa dos alísios a acariciar o rosto e revolver os cabelos.

Boa Viagem - Castelinho

No primeiro jardim, uma rua nos leva ao Aeroclube de Pernambuco, fundado em 15 de março de 1940 no Encanta Moça; no segundo jardim, na altura do n.º 1450, olhando para o mar, encontra-se o busto do pintor Teles Júnior (1851-1914); no n.º 3500 (Edifício Portugal) uma réplica em tamanho pequeno do Monumento dos Descobrimentos existente em Belém (Lisboa); na altura do n.º 5000 encontraremos a Praça da Boa Viagem, com a sua igreja em estilo barroco, local onde teve início a povoação que deu origem ao simpático balneário.

Na praça, um obelisco em granito, tendo em sua frente o escudo da cidade do Recife, assinala: "Avenida Boa Viagem. Governo do exmo. sr. dr. Sérgio Lorêto. Construtor, engenheiro Mário Castilhos - 1922-1926". Em suas quatro faces, o monumento assinala as datas de 1654 (Restauração Pernambucana), 1710 (Guerra dos Mascates), 1817 (República de Pernambuco), 1824 (Confederação do Equador).

Até o início do século passado, Boa Viagem era praticamente desabitada, a ponto de se praticar a caça de raposas e de outros animais silvestres. A povoação da Boa Viagem tem seu início no século XVII, devido à existência de algumas vendas que serviam de local de descanso dos viajantes que por ali transitavam vindos do caminho do sul da Capitania de Pernambuco. Uma dessas vendas era de propriedade de Manuel Fernandes Setúbal, nome atualmente relembrado na denominação do trecho hoje compreendido pelo Bairro do Setúbal.

Em 6 de junho de 1707, Baltazar da Costa Passos e sua mulher Ana de Araújo, moradores do Recife, fizeram uma doação ao padre Leandro Camelo, morador em Prazeres, de cem braças de terra para ali construir "uma capela para se dizer missa, com a invocação de Jesus, Maria e José", patrimônio acrescido de outras doações sucessivas.

Em 1743 já estava a capela construída, administrada por um sacerdote nomeado pelo bispo, conforme inventário de 20 de novembro daquele ano, assinado pelo padre Inácio Ribeiro Noia, onde figura o "nicho dourado e pintado" com a imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem, padroeira dos navegantes e viajantes que procediam do Sertão, bem como de outras imagens, alfaias e até um escravo de nome Miguel.

Na fachada existia um sino e um alpendre, em forma de copiar, que veio a ser demolido em 1845, permanecendo a data de 1707 no seu frontispício. A capela de Boa Viagem, portanto, deu o nome não só à bela praia, como também a todo o bairro de Boa Viagem. Sua construção é de estilo barroco, seu interior passou, com o tempo, por várias reformas, encontrando-se por esse motivo bastante descaracterizado.

A povoação da Boa Viagem vem ganhar novo impulso em 1858, quando foi inaugurado o primeiro trecho da Estrada de Ferro Recife-São Francisco, cujas composições com destino à Vila do Cabo faziam parada na estação situada no final da atual Rua Barão de Souza Leão. Inicialmente um trole e depois um bonde de burros fez a ligação da praça à estação ferroviária, motivando "a freqüência de muitas famílias pelo verão para passar a festa do Natal".

O bairro cresceu mais e tomou jeito de nobreza com o impulso dado pelo bonde elétrico da Pernambuco Tramways, que inicialmente trafegou até o Pina, antiga ilha do Nogueira, chegando depois até a Igreja Nossa Senhora de Boa Viagem, onde fazia o circular, retornando para a cidade. Foi, porém, a abertura da avenida Boa Viagem que a integrou na vida do recifense, a partir de 1924, no governo de Sérgio Lorêto. Com a Segunda Guerra Mundial e a ampliação dos transportes aéreos, no vizinho Aeroporto dos Guararapes, o bairro desenvolveu-se enormemente, a ponto de permitir a construção do moderno Hotel Boa Viagem, inaugurado em outubro de 1954, o primeiro hotel de classe internacional, "com 100 apartamentos de frente para o mar".

Entre os casarões da orla, destacavam-se um em forma de castelo (Castelinho, hoje praticamente demolido) e, anteriormente, a Casa Navio. Construída em 1940 pelo empresário Adelmar da Costa Carvalho. A intenção dele era construir um transatlântico, mas devido às criticas de sua mulher e do seu arquiteto, terminou fazendo um iate. A casa era equipada até com uma cabine de comando com as peças originais de um navio. A Casa Navio virou cartão postal, foi até filmada por cineastas de Hollywood, mas foi demolida em 1981 para dar lugar a um moderno edifício.

...como nos versos de João Cabral de Melo Neto

Aqui o mar é uma montanha regular redonda e azul, mais alta que os arrecifes e os mangues rasos ao sul.

Fonte: Texto extraído do livro do Historiador Carlos Bezerra Cavalcanti